Uma Comunidade de Aprendizagem

COMUNIDADE: AS CARACTERISTICAS E VALORES DE UMA COMUNIDADE DE APRENDIZAGEM

Francisco Alves da Costa Sobrinho


Uma comunidade se forma a partir de necessidades comuns, de interesses a serem satisfeitos, de metas a serem alcançadas, de objetivos a serem estabelecidos e cumpridos, com base no estabelecimento e de cumprimento de códigos expressos através de diversas manifestações e formas de linguagem.


Para existir como tal, uma comunidade materializa-se baseada em alguns pressupostos, os quais dizem respeito, normalmente, a questões que fundamentam e justificam o interesse ‘comunal’, como pode ser o caso da necessidade de moradia, local de trabalho e/ou emprego, estudos, esportes, cultura e lazer etc.


Uma comunidade se faz à base de muitas exigências cotidianas e pressupõe conhecer as formas de defesa, de ataque, onde encontrar apoios, como se estabelecer e conviver melhor, sobreviver e ser capaz da criação de laços pessoais, etc., enfim, que se deva passar por todo um período de adaptação e aprendizado, caminhando pelo novo e pelo desconhecido (em que podem ocorrer manifestações de medo, de insegurança, e sentimentos de solidão, saudade, decepção, indo e vindo nos momentos de maior ou menor tensão).

Assim, a iniciativa de formação e funcionamento de uma Comunidade de Aprendizagem, pressupõe todo um processo de sensibilização e de identificação, realizado através de mobilização e conscientização dos seus integrantes, no sentido de buscar o seu ordenamento e a estruturação das ações a serem desenvolvidas, considerando sua natureza, qualidade e legitimidade; entendendo-se que a Comunidade de Aprendizagem estrutura-se como um projeto educativo e cultural próprio, o qual deverá servir, conforme a educadora Rosa Maria Torres, “para educar a si própria, suas crianças, jovens e adultos, graças a um esforço endógeno, cooperativo e solidário baseado em um diagnóstico não apenas de suas carências, mas, sobretudo, de suas forças para superar essas carências.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

MAURICE HALBWACHS E A QUESTÃO DA MEMÓRIA


Juliana Pinto Carvalhal

O crescente interesse que a memória vem suscitando hoje entre os historiadores decorre, segundo Patrick Hutton, da inspiração da historiografia francesa, especialmente da história das mentalidades que se propagou nos anos 1970. Para Hutton, a memória já se encontrava implícita naquele momento, principalmente porque os estudos voltados para a área em questão procuravam abordar aspectos da cultura popular, da vida em família, dos hábitos e costumes de uma localidade, da religiosidade, entre outros, que são, sem dúvida, pontos que remetem à constituição social da memória. Patrick Hutton destaca ainda o trabalho de Philippe Ariès, o qual seria um dos primeiros a adentrar no tema da memória, ao reivindicar atenção sobre o papel dos monumentos e comemorações relacionados aos personagens políticos reconhecidos do século XIX, durante a formação dos Estados-Nação (FERREIRA, 2002: pp.141-52).
Em trabalhos mais recentes, a relação entre História e Memória levou vários estudiosos a refletir sobre o conceito de memória, uma vez que o termo passou a ser muito difundido e revalorizado atualmente, mas, em contrapartida, tornou-se alvo de grande descaso ou “fragilidade teórica”. “Em uma palavra, muito se fala e se pratica a ‘memória’ histórica (...), mas pouquíssimo se reflete sobre ela” (SEIXAS, 2004: p.38). Neste esforço de pensar o conceito de memória tornou-se fundamental o retorno às idéias de Maurice Halbwachs que, em 1925, elaborou uma espécie de “sociologia da memória coletiva”. Trabalhos importantes como Les Lieux de Mémoire do historiador Pierre Nora de 1984 e Memória, Esquecimento, Silêncio e Memória e Identidade Social do historiador Michael Pollak (publicados respectivamente em 1989 e 1992) encontram-se em constante diálogo com a obra deste pensador.
E, com a finalidade de perfazer estes caminhos já há algum tempo  sinalizados por tais historiadores, que proponho neste texto algumas breves considerações acerca do pensamento de Halbwachs sobre a memória. A questão central na obra de Maurice Halbwachs consiste na afirmação de que a memória individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, posto que todas as lembranças são constituídas no interior de um grupo. A origem de várias idéias, reflexões, sentimentos, paixões que atribuímos a nós são, na verdade, inspiradas pelo grupo. A disposição de Halbwachs acerca da memória individual refere-se à existência de uma “intuição sensível”. Vejamos:
“Haveria então, na base de toda lembrança, o chamado a um estado de consciência puramente individual que - para distingui-lo das percepções onde entram elementos do pensamento social - admitiremos que se chame intuição sensível” (HALBWACHS, 2004: p.41).
Tal sentimento de persuasão é o que garante, de certa forma, a coesão no grupo, esta unidade coletiva, concebida pelo pensador como o espaço de conflitos e influências entre uns e outros (HALBWACHS, 2004: pp.51-2). A memória individual, construída a partir das referências e lembranças próprias do grupo, refere-se, portanto, a “um ponto de vista sobre a memória coletiva”. Olhar este, que deve sempre ser analisado considerando-se o lugar ocupado pelo sujeito no interior do grupo e das relações mantidas com outros meios (HALBWACHS, 2004: p.55).
Para além da formação da memória, Halbwachs aponta que as lembranças podem, a partir desta vivência em grupo, ser reconstruídas ou simuladas. Podemos criar representações do passado assentadas na percepção de outras pessoas, no que imaginamos ter acontecido ou pela internalização de representações de uma memória histórica. A lembrança, de acordo com Halbwachs, “é uma imagem engajada em outras imagens” (HALBWACHS, 2004: pp. 76-78). Ou ainda,
“a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada” (HALBWACHS, 2004: pp. 75-6).
As lembranças podem ser simuladas quando ao entrar em contato com  as lembranças de outros sobre pontos comuns em nossas vidas acabamos por expandir nossa percepção do passado, contando com informações dadas por outros integrantes do mesmo grupo. Por outro lado, afirma Halbwachs, não há memória que seja somente “imaginação pura e simples” ou representação histórica que tenhamos construído que nos seja exterior, ou seja, todo este processo de construção da memória passa por um referencial que é o sujeito (HALBWACHS, 2004: p. 78; 81).
A memória individual não está isolada. Freqüentemente, toma como referência pontos externos ao sujeito. O suporte em que se apóia a memória individual encontra-se relacionado às percepções produzidas pela memória coletiva e pela memória histórica (HALBWACHS, 2004: pp. 57-9). A vivência em vários grupos desde a infância estaria na base da formação de uma memória autobiográfica, pessoal.
Também importante neste processo, assinala Halbwachs, são as percepções acrescentadas pela memória histórica:
“os quadros coletivos da memória não se resumem em datas, nomes e fórmulas, que eles representam correntes de pensamento e de experiência onde reencontramos nosso passado porque este foi atravessado por isso tudo” (HALBWACHS, 2004: p.71).
A memória apóia-se sobre o “passado vivido”, o qual permite a constituição de uma narrativa sobre o passado do sujeito de forma viva e natural, mais do que sobre o “passado apreendido pela história escrita” (HALBWACHS, 2004: p.75). Em Halbwachs, a memória histórica é compreendida como a sucessão de acontecimentos marcantes na história de um país. O próprio termo “memória histórica” desta forma, seria uma tentativa de aglutinar questões opostas, mas para entender em que sentido a História se opõe à Memória, para Halbwachs, é preciso que se atenha à concepção de História por ele empregada.
A memória coletiva é pautada na continuidade e deve ser vista sempre no plural (memórias coletivas). Ora, justamente porque a memória de um indivíduo ou de um país estão na base da formulação de uma identidade, que a continuidade é vista como característica marcante. A História, por outro lado, encontra-se pautada na síntese dos grandes acontecimentos da história de uma nação, o que para Halbwachs faz das memórias coletivas apenas detalhes:
“O que justifica ao historiador estas pesquisas de detalhe, é que o detalhe somado ao detalhe resultará num conjunto, esse conjunto se somará a outros conjuntos, e que no quadro total que resultará de todas essas sucessivas somas, nada está subordinado a nada, qualquer fato é tão interessante quanto o outro, e merece ser enfatizado e transcrito na mesma medida. Ora, um tal gênero de apreciação resulta de que não se considera o ponto de vista de nenhum dos grupos reais e vivos que existem, ou mesmo que existiram, para que, ao contrário, todos os acontecimentos, todos os lugares e todos os períodos estão longe de apresentar a mesma importância, uma vez que não foram por eles afetadas da mesma maneira” (HALBWACHS, 2004: pp. 89-90).

A história de uma nação pode ser entendida como a síntese dos fatos mais relevantes a um conjunto de cidadãos, mas encontra-se muito distante das percepções do indivíduo, daí a diferenciação estabelecida por Halbwachs entre Memória e História (HALBWACHS, 2004: p.84).
Ora, a escrita da História passou por significativas mudanças. A crise epistemológica porque passou recentemente a disciplina estremeceu várias das certezas dos historiadores. Passamos a questionar a própria noção de um tempo fixo, para defender a existência de temporalidades múltiplas. Também a questão da objetividade, durante tanto tempo cara ao historiador, vem sendo relativizada, pois assim como o historiador é fruto de seu tempo, também o é o discurso histórico por ele produzido. As fontes escritas também não são menos inverídicas do que as fontes orais, ambas devem ser analisadas criticamente, este sim critério indispensável àqueles que concebem a prática historiográfica como científica.

Mesmo partindo de uma concepção diferenciada acerca da disciplina histórica, Pierre Nora, na tentativa de pensar a ponte entre História e Memória, assim como Halbwachs, as opõe radicalmente. Para Nora, a memória tornou-se objeto da história, sendo por esta filtrada, o que impede o estabelecimento de diferenças entre a memória coletiva e a memória histórica. Mais do que isso, fala-se muito em memória atualmente, mas porque a memória já não existe e tudo aquilo que se considera memória é, para Nora, história. Com isso, restam apenas “lugares de memória” (SEIXAS, 2004: p.40-1). Nora, acaba por retomar parte do pensamento de Halbwachs, acerca das relações entre história e memória:
“a história começa somente do ponto onde acaba a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória social. Enquanto uma lembrança subsiste, é inútil fixá-la por escrito” (HALBWACHS, 2004: p.85).

A diferença entre o que defende Pierre Nora nos dias de hoje para o que afirmava Halbwachs na década de 1920 é que para Halbwachs as lembranças seriam incorporadas pela história à medida em que fossem deixando de existir ou à medida em que os grupos que as sustentavam deixassem de existir. Nora, por outro lado, entende de forma mais ampla que a categoria memória deixou de existir porque passou a ser reivindicada pelo discurso histórico.  
Já Michael Pollak, não vê com tanto pessimismo as relações entre história e memória ou entre a memória oficial (nacional) e aquilo que denominou “memórias subterrâneas” em referência às camadas populares. Para Pollak, estas memórias marginalizadas abriram novas possibilidades no terreno fértil da História Oral. Não se trata de historicizar memórias que já deixaram de existir, e sim, trazer à superfície memórias “que prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível” e que “afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados” (POLLAK, 1989: p. 3-15). É por isto, que se pode afirmar, nos dizeres de Henry Rousso que a “história da memória tem sido quase sempre uma história das feridas abertas pela memória” (ROUSSO, 2002: p. 95).
Mais do que isso, o que a emergência destas memórias vêm ocasionando, conforme aponta Pollak, é a disputa entre memórias ou a luta  entre a memória oficial e as memórias subterrâneas. Este embate que se trava pela incorporação destas memórias marginalizadas, silenciadas, é um embate pela afirmação, sobretudo, de uma identidade que, por pertencer a uma minoria, encontra-se marginalizada (POLLAK, 1989: pp. 3-15).
A escrita da história como concebida nestes tempos idos do estudioso da sociologia da memória transformou-se profundamente até os dias atuais. E se, a memória retornou ao meio acadêmico com tamanha força, isto, sem dúvida, decorre das questões que o tempo presente vem colocando ao historiador e à sociedade atual.
O processo de globalização recorrente, por exemplo, é parte indissociável do que agora molda o homem que procura compreender seu tempo, seu passado. Também aí se insere a luta empreendida pelos diversos movimentos sociais no intuito de alargar o conceito de cidadania no interior da sociedade e nas relações de poder que permeiam a atividade humana. Ambos os processos reclamam a questão da identidade, seja ela de minorias, seja do ponto de vista da nação. Daí o discurso de “memória” alcançar tamanho significado nos dias de hoje.

Referências:

FERREIRA, Marieta de Moraes. Historia oral: una brújula para los desafios de la história. Historia, Antropologia y Fuentes Orales: escenarios migratorios. Barcelona, nº28, p.141-152, 2002. Disponível site: CPDOC. Acesso em 26 de agosto de 2005.

HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Ed. Centauro, 2004.

POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, nº 3, 1989.

ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. IN: FERREIRA, Marieta de Moraes & AMADO, Janaína. Usos e Abusos da História Oral. RJ: FGV, 2002, p. 95.

SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de Memórias em Terras de História: Problemáticas Atuais. IN: BRESCINI, Stella; NAXARA, Marcia (orgs.). Memoria e (Res) Sentimento: Indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Unicamp, 2004.

JULIANA PINTO CARVALHAL é Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais. Artigo publicado na Revista Espaço Acadêmico, nº56. 

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